São Salvador da Aramenha
A Origem
A Freguesia de S. Salvador da Aramenha, ou melhor, S. Salvador do Mundo da Aramenha, terá sido a segunda mais antiga a ser constituída na actual área do concelho de Marvão. A unidade religiosa administrativa desta freguesia, cujos limites geográficos originais agora desconhecemos, terá sido demarcada tendo como centro populacional a comunidade que aqui se terá mantido, desde o fim do Império Romano e consequente decadência da velha Cidade de Ammaia. Tal como as árvores, também as cidades morrem de pé e, não raras vezes, à sombra do velho tronco ressequido pequenos rebentos conseguem sobreviver. Assim, parece ter acontecido com a sede desta freguesia. Paredes-meias com o fórum da velha cidade de Ammaia, um pequeno templo cristão aqui terá sido edificado nos finais da Idade Média, dedicado ao Salvador do Mundo. Esta invocação, explicitamente, medieval parece apontar para uma edificação balizável entre os séculos XIV e XV, momento em que a maioria dos templos com esta devoção são construídos no território português.
Ao epónimo S. Salvador do Mundo juntou-se a palavra Aramenha, seguramente anterior. Algo já se tem escrito a propósito desta palavra. Querem alguns relacioná-la com corruptelas da palavra Ammaia. Segundo os que seguem esta linha entendem que Ammaia terá originado Aramaia e esta ter-se-á fixado como Aramenha. Outros estudiosos relacionam Aramenha com o Monte Hermínio. Entendem os que seguem esta linha, sobretudo a partir de André de Resende, que a Serra de S. Mamede seria os montes Hermínios Menores dos romanos e que a cidade que aqui se situava também seria conhecida por Hermínia e desta palavra se chegaria a Aramínia e, por fim, a Aramenha.
Apoiam-se, ainda, os principais seguidores desta teoria na existência, não muito distante das ruínas da Ammaia, da Herdade do Monte Hermínio, casa agrícola com terreno anexo no qual se destaca uma pequena elevação. A estas duas teorias gostaria de juntar uma terceira e que tenho vindo a defender. Reconhece-se hoje, como aliás sempre se reconheceu, que a velha Ammaia sempre foi considerada no mundo arqueológico como um dos mais importantes sítios romanos em fontes epigráficas.
A abundância de pedras epigrafadas, especialmente "aras", ou pedras de altar, marcam, de forma indelével, estas ruínas. A meu ver poderemos fazer entroncar a palavra Aramenha na grande abundância de Aras que existiam nestas ruínas. Assim sendo, a palavra Aramenha teria origem na palavra Ara à qual se juntou o sufixo "menha". Recorde-se que outros sítios, como por exemplo, Torre de Aires, ou Torre de Aras, como também é conhecido o templo existente nas imediações de Viana do Alentejo, deve o seu nome às várias aras que ainda hoje incorporam o corpo do velho santuário. Não será, portanto, de estranhar que Aramenha tivesse visto nascer o seu nome nas muitas pedras de altar que aqui existiam e que não seriam estranhas à comunidade que aqui se manteve após o fim da velha Ammaia. Estranho é que o topónimo Ammaia se tivesse perdido completamente e que só fosse redescoberto por Leite de Vasconcelos em 1935.
Do antigo templo que na Idade Média se edificou e se consagrou a S. Salvador do Mundo chegou aos nossos dias a Igreja Paroquial de S. Salvador. O que hoje se pode ver é um edifício com características dos inícios da centúria de seiscentos, confirmada pela inscrição que, com alguma dificuldade, ainda se lê no lintel da porta e que se percebe que terá sido, restaurado, ou ampliado ao tempo do Bispo D. Diogo Correia que governou a diocese de Portalegre entre 1598 e 1614.
Construído o templo cristão foram, naturalmente, crescendo as edificações em torno do adro que em frente dele se desenvolveu e, paralelamente, arruinando as já poucas estruturas habitacionais que ainda abrigariam gentes na área da velha Ammaia, deslocando-se, gradualmente, o centro urbano para o local que hoje conhecemos. Estranho se torna que quem edificou o inicial templo cristão de invocação de S. Salvador do Mundo, no local onde hoje se encontra não tivesse antes optado por reutilizar o "podium" do templo romano, ou outra estrutura romana das que ainda se conservariam em bom estado no interior da velha cidade.
Optaram por construir a nova igreja fora do espaço que se reconhece hoje ser o limite da urbe romana. Alguma e seguramente forte razão os terá levado a escolher este local. Estou convencido que uma das prováveis razões se prende com a preexistência de alguma estrutura, também ela religiosa ou fúnebre no local onde actualmente se encontra a igreja que vimos tratando. Em frente à actual igreja, mais ou menos, onde hoje se encontra a estrada nacional passava um dos antigos acessos à Ammaia. Como sabemos, era hábito dos romanos construírem os cemitérios junto às entradas das cidades, associados, ou não, a pequenos templos.
Não seria, portanto, de estranhar que também aqui ocorresse algo de semelhante. Se repararmos na orientação da Igreja de S. Salvador da Aramenha verificamos que ela se encontra edificada contrariando completamente uma das principais normas para a edificação de templos cristãos, isto é, ter o altar principal para o lado do nascente. Na verdade o que acontece com esta igreja é, exactamente, o contrário. Múltiplos casos conhecemos, onde também esta norma religiosa não é cumprida, mas essas situações ocorrem, maioritariamente, no interior de espaços urbanos onde por força da modelação preexistente a edificação de uma nova igreja se adapta à malha urbana já construída. Em S. Salvador da Aramenha não é este o caso. As edificações que ladeiam o templo cristão são, nitidamente, posteriores, não tendo condicionado, portanto, a sua construção.
Resta-nos, assim, a possibilidade da original igreja de S. Salvador do Mundo da Aramenha ter sido edificada sobre estruturas anteriores, seguramente romanas e, a meu ver, relacionadas com uma edificação fúnebre ou templo adjacente, organizadas em função da via que junto lhe passava. Mas estas dúvidas e hipóteses, tal como tantas outras, manter-se-ão até que um dia novos estudos nos possam dar mais alguns esclarecimentos.
Texto: Jorge de Oliveira